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Encontros - 27 February، 2024

O Irmão Líder dirige-se aos Estudantes da Universidade de Oxford sobre a África no século XXI

Boa noite a todos. Agradeço aos organizadores deste encontro com a faculdade, aos estudantes e à Associação de Estudantes da Universidade de Oxford. Espero que possamos continuar a encontrar-nos de tempos a tempos para assim reflectirmos sobre as crises e desafios sociais, económicos e políticos que afligem todas as partes do mundo.

 

Pediram-me para falar sobre a questão de África no século XXI. Espero que o conteúdo do meu discurso não beneficie apenas os africanos ou os estudantes da Universidade de Oxford, mas que seja igualmente útil a todo o mundo.

 

Durante a era passada da chamada Guerra Fria, as grandes potências, nomeadamente os E.U.A., a URSS, o Bloco de Leste, o Bloco Ocidental, a NATO e os Pactos de Varsóvia, competiam pelo poder em África. Esse conflito e competição tiveram consequências negativas e prejudiciais para África e para todo o mundo.

 

África foi seriamente afectada por esses conflitos. Tornou-se uma arena de luta ideológica. A competição pela influência militar e política entre os E.U.A. e a URSS modelou o continente. Assim como a rivalidade entre aqueles que procuravam monopolizar os seus recursos e obter o maior número de lacaios e clientes. A luta entre o Oriente e o Ocidente foi, de facto, implacável. As matérias-primas de África e ter países africanos como aliados em fóruns internacionais eram os prémios cobiçados.

 

Fomos as vítimas dessa luta. O mundo também não recolheu dela nenhum benefício. A única coisa que aconteceu foi a criação de mais um campo de batalha. Tradicionalmente, o conflito desenrolava-se em, e era sobre, a Europa de Leste e a Europa Ocidental. Depois estendeu-se a África. África foi dividida em países aliados, ou ao Bloco de Leste ou ao Bloco Ocidental. Tal como sugou a energia das grandes potências, o conflito deixou África igualmente exausta.

 

Tanto os E.U.A. como a URSS gastaram enormes recursos com o objectivo de dominar a maior parte possível de África. Isso reflectiu-se negativamente na paz mundial, na estabilidade, na segurança e na economia. Sucederam-se revoluções, guerras e lutas. Tiveram lugar actos de violência, assassinatos e ajustes de contas. Ainda que num grau diferente, sucederam-se eventos semelhantes na Europa sob a forma de conflitos, guerra fria e, ocasionalmente, guerras quentes. O conflito era em torno da Europa, tal como o era em torno de África, em particular do norte de África e, mais especificamente, do local onde nos encontramos neste momento.

 

O que quero denotar é que quando um continente como a África ou como a Europa se encontram no centro de uma guerra, quente ou fria, entre grandes potências, a situação está sujeita a produzir consequências negativas, tanto a nível regional como global. É, por conseguinte, meu grande desejo que através deste encontro o mundo colha as lições necessárias da experiência do passado. Espero igualmente que desista de tais práticas.

 

A Europa encontrava-se dividida. Existia um confronto militar entre a parte de Leste e a parte Ocidental. Agora pode dizer-se que a Europa se encontra unida. A sua unidade é um factor que contribui para uma grande estabilidade política, económica e psicológica. Actualmente, a Europa funciona como uma zona de protecção entre a Federação Russa e os E.U.A.. Tem de permanecer em paz, unida e como zona de separação, não de confronto.

 

Volto agora ao assunto principal, África. África libertou-se do conflito que a flagelou durante a Guerra Fria. Muito lamentavelmente, os sinais de uma nova luta sobre África tornaram-se claramente visíveis. Pode conduzir-nos de novo às tragédias do passado. Aquilo que se está a passar agora é a emergência de um conflito entre a China e os E.U.A. em torno de África. É meu dever ser o primeiro a soar o alarme contra esta ameaça.

 

Este assunto tem sido abordado muito tímida e hesitantemente. É como alguém que sofre de uma doença mas decide ignorá-la até ser tarde demais. Não quero ocultar a verdade dos povos de África ou do mundo inteiro. Um novo conflito está a despontar em África. Irá transformar novamente África em arena de competição entre grandes potências. É provável que esse conflito esgote as energias dos seus principais protagonistas: os E.U.A. e a China.

 

Irei descrever-vos claramente a abordagem adoptada por cada um desses países. A América está a abordar África de uma forma severa e grosseira. Está a introduzir soldados, armas e bases militares. Pretende conseguir bases militares e um comando militar americano em África. Interfere grandemente nos assuntos internos de África. Os direitos humanos, aos quais não é dada atenção dentro dos próprios E.U.A., são usados como pretexto para penetrar em África e exercer pressão sobre ela. Proclama os direitos humanos e a democracia, apesar de a democracia não existir na América nem em qualquer outro sítio. Fala de uma boa governação, quando na realidade tal não existe. Interfere em todos os aspectos dos assuntos internos. Se um lacaio da América ou um agente da CIA for preso ou investigado, a América exige saber todos os detalhes. Onde a pessoa foi encarcerada, o que lhe aconteceu e porque razão. Existe algum país no mundo que pudesse solicitar informações similares sobre um dos seus cidadãos à América em circunstâncias semelhantes? Claro que não. Então como pôde a América conceder a si própria esse direito? É esta a dura abordagem da América em relação a África.

 

A China e os E.U.A. são concorrentes. Ambos desejam colonizar África e beneficiar das suas riquezas. Contudo, a China está a adoptar uma abordagem suave. A China não dá lições a África sobre o seu sistema de governação, direitos humanos, liberdade de expressão, boa governação, ou algo semelhante. A China nunca interfere nos assuntos internos de outros estados. Não introduz soldados, bases militares ou comandos militares. Mais de 600 corporações chinesas estão a introduzir-se fortemente em África. Algumas comunidades chinesas começaram a estabelecer-se em África. Esta é a abordagem suave da China.

 

Devido a esse tipo de abordagem, os africanos estão a acolher a China calorosamente. Isto sem dúvida irá beneficiar a China. Os africanos são mais cautelosos em relação aos E.U.A. devido à sua dura abordagem. Isto é uma prova do disparate que é o plano de acção americano. Os E.U.A. são ignorantes em relação ao mundo. Agem sempre de uma forma insensata e errática. Como aconteceu no passado no caso do Vietname e da Somália, e como o prova a situação actual no Iraque, a América age sempre de uma forma insensata e errática. Revela sempre ser ignorante em relação à região onde decide fazer guerra. Por conseguinte, perde sempre. A impressão que fica é que a China se encontra completamente inteirada da forma psicologicamente correcta de se aproximar de África. Introduziu-se pacificamente. Está a estabelecer-se pacificamente. A China irá triunfar em África.

 

Este é o facto alarmante que quero expor claramente e para o qual quero chamar a atenção de todos. Ninguém fala do assunto. Alguns crêem que deveríamos trazer a China para o nosso lado contra o Golias americano. Existe um tipo de colonialismo que se impõe pela força e outro que utiliza métodos mais brandos. Existe um colonialismo suave e um colonialismo duro. Mas, em última análise, tratam-se ambos de colonialismo. Como disse antes, existem aqueles que dão as boas vindas à China. Todos nós procuramos um impedimento contra a dura abordagem da penetração americana. Isto faz-nos tomar partido pela China. Todavia, a China deve saber que estamos cientes de que esta poderia tornar-se uma potência imperialista. Se desejar estabelecer-se em África ou pilhar os recursos de África a preços baixos e vender os seus produtos manufacturados a preços exorbitantes, tornar-se-á numa potência colonial.

 

Existem algumas pessoas em África que se inclinam para os E.U.A.. Mas se for efectuado um referendo, a China irá vencer. A maioria tem receio da América. Tendo em consideração a sua conduta no passado noutras partes do mundo, as pessoas sentem-se desconfiadas que possa impor a sua presença militar e a sua interferência grosseira em todos os assuntos internos.

 

A rivalidade E.U.A.-China é uma das questões a enfrentar na actualidade. Outro assunto a considerar é a questão da União Africana. Se África conseguir unir-se como a Europa o fez, seria benéfico para os africanos e para todo o mundo. O facto de a Europa já não ser uma região dividida pelo confronto e conflito entre dois blocos em oposição, nem um barril de pólvora que possa explodir a qualquer momento, beneficiou a Europa, os seus habitantes e o mundo inteiro. Sei que as forças americanas que ocuparam a Europa na Segunda Guerra Mundial ainda ali se encontram. Isto representa uma ameaça à paz na Europa, no Mediterrâneo e no mundo inteiro. Espero que deixe de existir. Contudo, trata-se de um assunto europeu.

 

Actualmente a Europa constitui um bem político e económico para si mesma e para o mundo inteiro. A Europa unida, com a sua moeda e política comuns, constitui um factor estabilizador no mundo. Gostaríamos de ver o mesmo acontecer em África. Gostaríamos de ver uma moeda comum, um banco central único e uma política de segurança comum. O mercado único africano, com políticas de importação e exportação uniformizadas, irá fortalecer a economia mundial.

 

Presentemente existem 50 estados, cada qual com a sua própria moeda, banco central e sistema económico distinto. Isto faz com que não tenhamos importância. Qual é o valor combinado das economias do Malaui e da Guiné-Bissau em relação aos grandes blocos? Como poderia um gigante como a UE, os E.U.A., a China ou o Japão perder o seu tempo em negociações com uma delegação da Gâmbia que pretende comprar dez automóveis? Se um representante de todo o mercado africano surgir com uma oferta de importação de meio milhão de automóveis, a situação muda completamente de figura. Este é um cliente que merece o tempo despendido, tendo em conta o volume de transacção proposto. Quem irá dedicar o seu tempo a fazer acordos comerciais com a Gâmbia, Madagáscar, Malaui, Guiné-Bissau ou mesmo a Líbia com a sua riqueza em petróleo? É uma perda de tempo para qualquer um negociar, ou entrar em qualquer tipo de transacção, com economias tão pequenas. A fragmentação de África não satisfaz a economia mundial ou os grandes mercados. Imaginem se uma dessas economias gigantescas negociar com o Ministro Federal dos Negócios Estrangeiros africano. Isto será muito mais benéfico para toda a economia mundial, devido ao simples tamanho do mercado único africano e suas carências.

 

Espero que os principais intervenientes e o mundo inteiro entendam este facto. Espero que ajudem África a alcançar a sua unidade e a estabelecer os Estados Unidos de África. Isto irá contribuir para a paz, segurança e estabilidade mundiais. Trará enormes benefícios à economia mundial, assim como à China e à América.

 

Acolhemos empresas comerciais chinesas, americanas, europeias e japonesas. Contudo, não podem povoar a nossa terra ou tentar colonizá-la. Nem tão-pouco podem aterrorizar-nos, chantagear-nos ou explorar-nos. Nunca poderemos aceitar isso. Nós, africanos, somos diferentes nos dias de hoje. Temos cientistas e especialistas de renome mundial. Já não podemos ser enganados pelos estratagemas que usaram connosco no passado.

 

São gastas somas astronómicas na produção de armas de destruição maciça, mísseis balísticos intercontinentais, armas nucleares e porta-aviões. Montantes igualmente assombrosos são esbanjados em bases imitares e forças armadas. Imaginem se aqueles que se dedicam a tais perversos gastos decidissem atribuir uma parte desse todo a África. Imaginem se a América, a Europa, o Japão e a China colaborassem connosco na construção da barragem Anga, no Congo. Iria gerar electricidade suficiente para iluminar África inteira. O enorme excedente seria exportado para a Europa via norte de África e para a Ásia via Egipto. Porque razão não podem ceder alguns mil milhões de dólares para nos ajudar a realizar esta vantajosa obra humanitária? Não será melhor do que bases militares e forças armadas? Não será melhor do que a conversa sobre direitos humanos, boa governação e assuntos semelhantes? O que é uma boa governação e o que é a liberdade de expressão? Nem sequer temos papel para imprimir jornais onde possamos exprimir a nossa opinião. Não temos estações emissoras que transmitam os nossos pontos de vista. Exprimimo-nos com gritos, prantos e gemidos de dor. Temos apenas a liberdade de expressão da nossa agonia. Um exemplo dessa agonia é o que sentimos com a perda do Lago Chade.

 

Apresentei uma dissertação sobre o Lago Chade perante a Cimeira da Terra em Joanesburgo. Apenas nos resta um décimo do lago. Desapareceram nove décimos. Trata-se de um enorme desastre ambiental para África e para o mundo. Por que motivo não podem eles vir ajudar-nos a salvar o lago? Podemos construir algumas condutas a partir dos rios do Congo, África central e Camarões. Podemos limpar a areia e as árvores que obstruem o seu curso. Assim, o Lago Chade será sustentado de novo pelas águas daqueles rios. Poderão ler a minha dissertação no sítio web (www.Algathafi.org).

 

Envio um apelo ao mundo para se associarem a nós na salvação do Lago Chade e na construção da barragem Anga. Desta forma iríamos gerar electricidade e salvar um dos pulmões do planeta. Existem dois pulmões que fornecem oxigénio ao planeta: a floresta tropical da Amazónia e as florestas do Congo. A seca, a desertificação, o mau uso dos rios e os conflitos destrutivos no Congo não nos permitiram salvar esse pulmão que pertence a todo o mundo. Renovo aqui o meu apelo ao mundo para a sua salvação.

 

Estes são alguns dos assuntos para os quais queria chamar a atenção dos países do mundo. Agradeço-vos por me terem dado a oportunidade de levantar estas questões que ninguém se tinha atrevido a levantar em relação a África. Se tiverem alguma outra questão sobre outras partes do mundo, por favor não hesitem em colocá-las. Tenho perante mim o Livro Verde e o Livro Branco. Sendo esta uma palestra universitária, aceitarei todas as questões dos estudantes e da faculdade da Universidade de Oxford.

 

Pergunta: Obrigado, Irmão Líder, por esta análise da situação no continente africano. Gostaria de apresentar uma questão da autoria de um estudante. Por que motivo não usou as suas forças em prol da solução de alguns dos conflitos de África e em prol do alívio do sofrimento humano, por exemplo na Somália e no Zimbabwe?

 

O Líder: Obrigado. A maior parte das forças das Nações Unidas estão em África. Existem tantos conflitos no continente que solicitámos a quase três quartos das forças das Nações Unidas para os resolver. O principal culpado são as potências coloniais que dividiram África. Todos esses conflitos são tribais e de fronteira entre tribos que foram desmembradas pelo colonialismo. A África era um todo. Agora vivemos em 50 estados com fronteiras confusas. Essas fronteiras dividiram a tribo única por dois ou três estados. Vejam o conflito na Costa do Marfim, por exemplo. Antes existia uma entidade única, constituída pelo Alto Volta e Baixo Volta. As potências coloniais dividiram-na no estado a que chamaram Costa do Marfim e num outro chamado Alto Volta. Foi mais tarde rebaptizado de Burkina Faso. A população de uma única entidade foi dividida entre dois estados. Os habitantes da parte norte viram-se então em dificuldades quando presentes no sul. A Costa do Marfim diz a essas pessoas que não são seus cidadãos e que pertencem ao Burkina Faso. Como tal, deveriam regressar. Essa situação precipitou a crise que continua a afligir aquela parte de África. As fronteiras coloniais criaram esse problema.

 

O conflito tribal na região dos Grandes Lagos é igualmente o resultado das fronteiras coloniais. Foram as potências coloniais que criaram o Ruanda, o Burundi e o Congo e dividiram as tribos Hutu e Tutsi. O colonialismo criou também esse conflito. O colonialismo esteve igualmente por detrás do conflito no Congo e do assassinato de Lumumba. A competição renhida pelas matérias-primas do Congo foi um empreendimento colonial. O que esteve por detrás do conflito em torno dos diamantes e do urânio do Congo, o qual foi utilizado na produção da bomba atómica usada contra o Japão? O colonialismo.

 

O mesmo se aplica ao conflito na Somália. Quem foi o responsável pela sua divisão em parte italiana e parte britânica? O colonialismo. Porque razão não foi mantida como uma Somália única e unida? Porque os italianos colonizaram o norte e os ingleses tomaram o sul. As ramificações dessa situação continuam a acompanhar-nos até ao presente, à semelhança de outros problemas mundiais.

 

Observem o mapa da Gâmbia. Desafia toda e qualquer lógica. O rio Gâmbia atravessa o centro do Senegal. Os britânicos chegaram, ocuparam-na e estabeleceram um estado. Ensinaram inglês aos habitantes e a seguir concederam-lhe a independência. O Senegal, uma antiga colónia francesa, actualmente rodeia a Gâmbia por todos os lados.

 

A resposta à pergunta feita é que não existem exércitos internacionais suficientes em África. Fazemos parte da União Africana (UA). Quando a UA decidir enviar os seus próprios exércitos, ou os exércitos de determinados estados, a um dado lugar, estamos prontos a participar. Mas o problema é muito mais vasto. Para a paz ser restaurada, não é suficiente enviar tropas. A solução exige uma genuína integração africana. Exige a eliminação do legado do colonialismo. Necessita do estabelecimento dos Estados Unidos de África. Não importa se o número de estados for cinquenta ou mesmo mil. Aquilo que é necessário é uma estrutura política unificada. É aqui que reside a solução. Estamos, por isso, a fazer o nosso melhor no sentido de estabelecer uma União Africana genuinamente forte.

 

Um outro aspecto é o facto de tais forças exigirem financiamento. As Nações Unidas recusam financiar qualquer exército, à excepção dos seus Capacetes Azuis. A reputação dos Capacetes Azuis é má. Países como o Sudão recusam-se a tê-los no seu território, no Darfur. Referem que as forças internacionais alargam o âmbito do seu mandato, ou deixam que a América o faça por eles, de forma a incluir a interferência nas questões do país, a captura e o julgamento dos seus cidadãos. Trata-se de mais uma forma de colonialismo que dará origem a outros conflitos. O envio de tropas é uma questão deveras espinhosa.

 

Pergunta: Chamo-me Tareq. Sou tunisino e estudo em Oxford. A minha questão relaciona-se com a noção de unidade e com o modo de dirigir uma democracia. Parecem existir muitos problemas relativos à democracia e à crise no Saara. Não estará na hora de os líderes ultrapassarem esses problemas? Quando é que poderemos ver planos verdadeiramente nacionais?  Quando é que existirá um mercado comum? Como poderemos ultrapassar as barreiras burocráticas no que a isto diz respeito?

 

O Líder: Peço a Deus que os líderes prestem atenção às suas considerações. Pessoalmente, partilho desse objecto de esperança. É por essa razão que peço o estabelecimento do poder do povo. O poder do povo significa que deveriam governar-se a si próprios, sem soberano e sem governo. Não existe ódio ou hostilidade entre o povo argelino e o povo marroquino. São irmãos. Mas existem posições políticas divergentes entre os dirigentes.

 

Enquanto existirem dirigentes, eles serão os responsáveis pela situação política. Esperemos que o poder do povo seja estabelecido em todos os lados do mundo, de forma a assegurar uma paz genuína e duradoura. Os povos não se odeiam ou invadem uns aos outros. Os dirigentes e os exércitos permanentes são aqueles que invadem e dominam. São eles que ameaçam a paz mundial. Quando se fala de guerras e invasões, não ouvem dizer “o povo alemão ou o povo mongol invadiram isto ou conquistaram aquilo”. Ouvem falar de líderes individuais: Hulagu, Timurlane, Genghis Khan, Hitler, Napoleão, Mussolini, Bush e outros. Isto é absolutamente certo. Os povos não invadem. Os dirigentes, que controlam os exércitos, é que o fazem. Sem Hitler, o povo alemão é pacífico. Foi Hitler que empreendeu a guerra na Europa e no mundo inteiro. A história de Napoleão não significa que a França seja um país agressivo. É agora um país amante da paz, apesar dessa parte da sua história.

 

Pessoalmente, não tenho qualquer admiração pelos supostos triunfos árabes e muçulmanos na Europa. Considero-os actos de colonialismo. Os árabes ocuparam a Sicília durante 300 anos e a Península Ibérica durante 800 anos. Quando partiram, não existiam muçulmanos nesses sítios. Como pode ser isso considerado um triunfo? Não foi nada mais do que uma invasão e colonialismo. Quem ordenou essas invasões? Os dirigentes, porque queriam os espólios de guerra, os tesouros e as escravas. Hoje em dia, os espólios de guerra chamam-se vencer as eleições, um segundo mandato para aquele presidente ou o controlo do petróleo. Tratam-se de ambições particulares que nada têm a ver com os desejos do povo.

 

Pergunta: Na sua opinião, seria apropriado que a União Africana fizesse uma intervenção militar no Sudão sem antes obter o consentimento do povo sudanês?

 

O Líder: Relativamente à questão de Darfur, devo dizer-lhe que tenho tendência a ter opiniões ousadas em relação a questões políticas ou diplomáticas. Prefiro adoptar um ponto de vista social e psicológico. Não sou político nem diplomata. Sou o líder de uma revolução e um reformador social. Realizei esforços relativamente à situação no Darfur. Centenas dos seus chefes, sultões e cidadãos vieram ter comigo para discutir a solução para o problema. Enquanto existir assistência internacional no Darfur, haverá conflito, refugiados e deslocados. Quando ouvem dizer que irão receber abastecimento de arroz, farinha, leite e enlatados, deixam as suas aldeias e vão para os campos de refugiados. Se a crise nos vai dar toda esta comida, então para quê resolver o problema?

 

Abrimos o porto de Benghazi aos abastecimentos de auxílio internacional. Devido à proximidade geográfica de Darfur às fronteiras da Líbia, decidimos permitir que as provisões de auxílio passem pelo nosso território. Quando se ouviu falar do transporte aéreo de provisões, as pessoas perguntaram-se: porquê dar um fim ao conflito. A alguns foi-lhes dito para criarem um incidente de modo a partirem das suas aldeias durante a noite, dirigirem-se aos campos durante o dia para obterem as provisões e, depois, transportarem a comida de volta às suas famílias na aldeia. Não foi apenas isto que aconteceu no Darfur. Surgiram muitos outros problemas. Se o conflito nos vai trazer exércitos internacionais, isso significa que iremos servir esses mesmos exércitos, ter acordos comerciais com eles e, ao mesmo tempo, eles serão como que uma polícia a proteger-nos. Esta é mais uma razão para se prolongar o conflito.

 

Quando uma crise se torna internacional, os líderes rebeldes políticos e militares tornam-se celebridades. Falam e o mundo inteiro ouve-os. Parecem ser líderes que defendem a causa dos oprimidos e marginalizados. Esta é mais uma tentação para prolongar o conflito. Uma vez resolvido, eles perderão o seu estatuto de celebridade. Por conseguinte, creio que numa situação como o Darfur, e em situações similares, a solução reside em deixar o local e o seu povo em paz. Eles irão ser capazes de resolver os seus próprios problemas. Não se trata de um problema impossível de resolver. Aquilo que o tornou perigoso e complexo foi a interferência de forças exteriores. Também se diz que existe um conflito entre a China e os E.U.A. em torno do Darfur devido à descoberta de petróleo. Torna-se, então, evidente, que existe uma interferência internacional que está a criar e a atiçar o fogo do conflito. É na verdade um conflito entre potências coloniais. O que deve ser feito? Se o conflito no Darfur se tornar mais complexo devido à competição por influências entre a China e a América, o que devemos então fazer? Se os grandes intervenientes, com as suas ambições económicas, são aqueles que estão a criar esta crise, o que poderemos fazer? Se a China estiver contra nós, e os Estados Unidos estiverem contra nós, e ambos trabalharem nesta região específica, o que podem os nossos exércitos fazer? A quem podemos enviar as nossas tropas?

 

Pergunta: Existe um grande interesse por parte dos telespectadores e ouvintes da BBC sobre determinados outros assuntos. Esperamos que possa ainda comentá-los. A primeira questão é: Vossa Excelência propôs uma solução para o conflito israelo-palestiniano. Como acha que isto vai acontecer?

 

O Líder: Este conflito é crónico. É uma doença crónica para todo o mundo. Tem vindo a destruir a existência do mundo. A questão da Palestina é a razão das hostilidades entre os árabes e americanos. A América tomou partido a favor dos israelitas desde o início. Todos os meios pacíficos e militares falharam em pôr termo ao conflito. Com toda a honestidade, não se pode confiar nos actuais intervenientes, uma vez que não mostram um interesse genuíno na situação. For exemplo, tenho conhecimento de que um antigo presidente de Itália disse: “Nesta altura, procuramos uma solução temporária. Mais tarde, a região que vá para o diabo. Não somos responsáveis por ela.” Encontrar uma solução temporária significa tomar paliativos e analgésicos. Isto, em si mesmo, é de uma gravidade extrema. Se um médico preferir administrar um analgésico em vez de um tratamento radical da doença, isso poderá ser uma causa de morte. Um analgésico paralisa a dor, enquanto que a doença continua a destruir o corpo. Como já disse, os principais intervenientes actuais não têm uma preocupação genuína em encontrar a solução. Podem ter as suas próprias razões comerciais e de segurança para quererem a paz ou algo no género neste momento, mas não interesse numa solução. Alguns dos presentes na região podem querer consolidar a sua permanência no poder. Fingem reunir esforços para resolver o problema de maneira a serem vistos como factor estabilizador cuja queda não poderá ser permitida. Então permanecem no poder, para servir os próprios interesses e não o interesse em descobrir uma solução. Ouvimos alguns dizer que devemos incentivar a sua reeleição. Outros são mantidos porque se diz que servem os interesses dos E.U.A. e outros porque servem os interesses dos israelitas, enquanto que outros são ainda mantidos porque sabem como apaziguar a opinião pública. Como podemos ver, tratam-se de razões egoístas e pessoais. Tomemos o exemplo de qualquer presidente dos E.U.A.. Sempre que decide lidar com esta questão, é pura e simplesmente por razões eleitorais. No caso de, como acontece com o actual presidente, não poder ser reeleito, estará a fazê-lo pelo partido. Convencer o povo americano a votar pelo Partido Republicano que poderia ajudar a resolver a questão do Médio Oriente. Portanto, tudo o que é feito não o é segundo os interesses do Médio Oriente, dos israelitas ou dos palestinianos, é feito somente segundo os interesses de um partido político ou de um político. Todos exploram essa questão. É uma espécie de chantagem. É este o problema com aqueles que movem e agitam o mundo de hoje.

 

Não tenho um interesse pessoal na solução. Não desejo adular os americanos, os israelitas, os palestinianos, os árabes ou qualquer outro grupo. Não podem reeleger-me ou reeleger o meu partido e não tenho necessidade de autopromoção. Após ter estudado a questão, escrevi no meu Livro Branco “Isratine”, ou seja, um estado constituído por Israel e pela Palestina. A solução proposta no livro é bastante convincente. Destila as opiniões e pontos de vista de numerosas personalidades palestinianas e israelitas. Alguns dos líderes e fundadores sionistas do estado de Israel crêem que a situação actual é grave e que não resolve o problema. Os palestinianos têm um ponto de vista similar. As principais potências mundiais partilham dessa visão. A definitiva solução histórica e correcta reside no estabelecimento de um único estado para os palestinianos e israelitas. O estabelecimento desse estado democrático deveria ter lugar com a supervisão das Nações Unidas. As eleições deveriam ser realizadas com a supervisão das Nações Unidas. Temos de nos libertar do racismo. Não importa se é um israelita ou um palestiniano a ganhar as eleições. Em última análise, são todos semitas. Os árabes e os israelitas são primos. Os israelitas não têm para onde ir. Foram expulsos de todas as partes do mundo. Se optarem por viver neste lugar para sempre, têm de viver em paz e harmonia com o lugar. Não podem ser uma força de agressão. A América não pode protegê-los para sempre. Ninguém os poderá proteger para sempre. Talvez um dia se vejam a sós, fora da tutela americana. É do seu interesse aceitar a outra facção e integrar-se com ela. Quando é que isso poderá acontecer? Somente quando for estabelecido um estado único.

 

Falar-se de um estado israelita “puro” com uma única religião, língua e raça, é falar-se de uma abordagem reaccionária exclusivista. Será como viajar em mar alto com uma mão cheia de areia e esperar que não se molhe. É impossível. Israel vive num mar alto de árabes. Como poderá manter a sua pureza? Existe um milhão de palestinianos que lá vivem neste momento. No futuro, tornar-se-ão dois ou três milhões. Portanto, isso toma conta da noção de pureza. Se um estado palestiniano for estabelecido na Margem Ocidental, o interior do estado de Israel terá uns meros 14 km. No futuro, qualquer operação militar irá facilmente dividi-lo a meio. Estas não são apenas as minhas palavras, são as palavras dos líderes sionistas que fundaram Israel. Acreditam terem criado um estado na cratera de um vulcão. Não conseguirá sobreviver. O problema reside no facto de as duas partes lutarem por um pedaço de terra chamado Palestina. Se uma das partes conquistar essa terra e, unilateralmente, declarar o estabelecimento do seu próprio estado no local, estará à procura de problemas. Existem duas facções. Têm de alcançar um acordo, de outro modo a terra continuará a ser disputada para sempre. Isto é o que aconteceu e é a razão pela qual os árabes não reconheceram ou aceitaram a situação criada pela expropriação israelita de toda a Palestina. Tomemos o exemplo da Turquia: quando a República Turca do Chipre foi estabelecida, ninguém a reconheceu à excepção da Turquia. Porque razão? Porque o Chipre pertence a todos os cipriotas, tanto a turcos como a gregos. A Palestina deve igualmente pertencer a todos os seus habitantes, quer sejam palestinianos, judeus israelitas, muçulmanos árabes ou cristãos. Pertence a todos eles.

 

Esta terra não pode ser dividida em partes. A área entre o rio e o mar é demasiado estreita para dois estados ali se estabelecerem. O número de judeus no mundo é de 12 milhões. Suponhamos que esses 12 milhões regressam ao país actualmente conhecido como Israel. Existem cinco milhões de palestinianos na diáspora. Se todos regressarem, o número de palestinianos será de cerca de sete milhões. Como pode tal número de pessoas viver em dois estados neste minúsculo pedaço de terra? É simplesmente impossível.

 

Isratine já existe. A Margem Ocidental contém cidades palestinianas e campos israelitas. Encontram-se misturados e vivem lado a lado. Naquilo que é hoje conhecido como Israel, como disse anteriormente, existe um milhão de palestinianos que são cidadãos israelitas, vivendo lado a lado com os israelitas. Os trabalhadores palestinianos são aqueles que dirigem as fábricas israelitas. Os trabalhadores da Margem Ocidental e da Faixa de Gaza trabalham em Israel de 1948. Os dois grupos são totalmente independentes em termos de bens, serviços e segurança. Estão mais próximos um do outro do que de qualquer um de nós. A solução é o estabelecimento de um único estado para ambos os grupos. Temos de libertar-nos da cultura do racismo religioso, linguístico e étnico. Essa é a cultura da velha guarda. Mas os jovens de Israel e da Palestina querem paz, querem um único estado, querem viajar, fazer comércio e ter uma vida normal.

 

É isto o que desejam. É isto o que o Livro Branco propõe, e é esta a solução. Estou certo de que a solução se irá impor por si mesma, uma vez que não tem origem em interesses egoístas, tais como os dos actuais intervenientes que mentem às pessoas e as enganam. Eu não faço isso.

 

Pergunta: Vossa Excelência, conceda-nos, por favor, uma resposta directa à seguinte pergunta. O Egipto e a Jordânia estabeleceram relações diplomáticas com Israel. Yasser Arafat estabeleceu igualmente relações a esse nível em nome dos palestinianos. Vossa Excelência não tem problemas com Israel. Porque motivo não podem existir relações diplomáticas entre a Líbia e Israel?

 

O Líder: A questão inverte a ordem dos factores. Não se trata de uma questão de relações diplomáticas; é uma questão de se resolver um problema. Ao invés de encontrar uma maneira de resolver o problema, você questiona-me sobre reconhecimento. Será como oferecer a alguém carne crua e depois perguntar-lhe porque não come. A questão deveria ser, em primeiro lugar: por que razão a comida não foi cozinhada. E a seguir poder-se-ia, então, levantar a questão sobre o facto de não comer. O que quero dizer é que a ordem de prioridades deveria ser a solução para o problema em primeiro lugar, e só depois poderemos falar sobre reconhecimento. Na ausência de tal solução, não me parece que haja lugar para levantar a questão do reconhecimento.

 

Agradeço ao público aqui presente, à Universidade de Oxford, à Associação de Estudantes, ao intérprete e às personalidades da rádio e televisão. Agradeço-vos e estou pronto para, quando o tempo mo permitir, realizar mais encontros como este na vossa presença, e creio ter sido um encontro extremamente útil.

 

Pergunta: Vossa excelência é uma pessoa com uma clara visão e discernimento políticos. Que conselho daria aos líderes do Irão e dos E.U.A. no que diz respeito ao problema entre estes dois países?

 

Se o programa nuclear do Irão tiver propósitos pacíficos, não vejo por que razão possa haver objecções ao programa. Creio que ninguém tem o direito de apresentar objecções contra ele. Qual é a verdadeira questão? É sobre a prevenção da proliferação de armas nucleares, ou sobre impedir que os países do terceiro mundo façam uso da energia nuclear? O Irão afirma que privá-lo do direito de usar a energia nuclear para propósitos pacíficos é o equivalente a negar esse direito a todos os países em vias de desenvolvimento e do terceiro mundo. Perguntam como podem impedir-nos de enriquecer urânio. Se tal enriquecimento se destinar a propósitos pacíficos, então ninguém se pode opor ao programa iraniano. Se for para propósitos militares, então o Irão poderá dizer que estarão dispostos a abandonar o seu programa nuclear apenas se todos os outros países, não só a Líbia, fizerem o mesmo. A produção de armas nucleares continua sem diminuir. No Médio Oriente, existe um enorme arsenal de armas de destruição maciça em Dimona. O Paquistão possui armas nucleares. A Índia possui o mesmo tipo de armas. A China é uma potência nuclear. A Rússia é uma superpotência nuclear. Todos estes países se encontram geograficamente próximos do Irão, e o Irão pergunta-se porque razão deveria ser o único país a não poder usar estas armas. Muitos outros povos, incluindo os árabes, se perguntam o mesmo. Por exemplo, o Egipto poderia dizer: se os israelitas podem ter armas e mísseis nucleares, e o Irão igualmente, porque razão não poderemos ter nós o mesmo direito? A Síria poderia dizer o mesmo.

 

Se a questão se refere às armas de destruição maciça, então, como já disse, o Irão poderia argumentar que abandonará o seu programa nuclear apenas quando todos os programas nucleares militares tiverem um fim e quando todas as armas nucleares foram desmanteladas. Contudo, o Irão, até ao momento, não admitiu ter um programa destinado a propósitos militares. Afirma que o seu programa se destina a propósitos exclusivamente pacíficos e, por conseguinte, ninguém tem o direito de exigir o seu termo. Obrigado a todos. Com esta resposta dou por terminada esta conversação.

 

            Em nome de todos os presentes aqui na Universidade de Oxford, agradeço-lhe, Irmão Líder, pelo tempo que despendeu, pela sua contribuição e pelas suas respostas.                               

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